Será a semana de 4 dias de trabalho o novo pote dourado no fim do arco-íris?

30 de Janeiro de 2023

Tempo e dinheiro. As duas variáveis que compõem a equação mais difícil de resolver desde o momento em que se criou o conceito de “trabalho remunerado”. Quem contrata, tende a focar-se em pagar menos. Quem trabalha, em receber mais. Passaram apenas 50 anos sobre o começo da homogeneização das 40 horas semanais sem perda de massa salarial. Em Portugal, por exemplo, as 40 horas só em 1997 foram legisladas de forma mais consistente…passaram 25 anos e já sentimos que não chega…. Estamos a precisar duma semana com 4 dias de trabalho para sermos mais felizes e produtivos. Será mesmo essa a nossa necessidade?

 Quero relembrar que este é um artigo de opinião, da autora, e não representa a posição de nenhuma instituição ou pessoa, a não ser da própria.  

 Em todos os contextos em que tenho falado e debatido esta temática, a emoção natural que surge é a de liberdade e de esperança neste novo futuro. A ideia de ter um fim de semana de 3 dias faz qualquer um sorrir e sonhar com planos pessoais para os preencher. Pessoas mais felizes, trabalham melhor, dão mais de si, estão mais comprometidas com o seu trabalho. Todos saem a ganhar.

 O teste que foi feito foi na Austrália, em 2018, na Perpetual Guardian, sustenta todos os benefícios directos deste redimensionamento e convido-o a conhecer a organização que o promoveu aqui: https://www.4dayweek.com/.

 Gosto de aprofundar temas que têm impacto nas nossas vidas, e surgem-me, assim, 2 questões/reflexões, que o convido a fazer de forma individual:

 Como são actualmente os seus dias de trabalho? Há respeito pelo equilíbrio entre a vida pessoal e profissional? A carga de trabalho está adequada? Há respeito pelos fins de semana? As equipas estão bem distribuídas? Se respondeu de forma positiva a estas questões diria que está num bom ponto de partida para ponderar esta abordagem de redução das horas dedicadas à empresa. Disse redução e não compressão. O que está em cima da mesa é uma redução, efectiva, de 8 horas de trabalho e não uma redistribuição pelos restantes dias da semana. Se as suas respostas foram negativas, o que iria provocar, no imediato, uma redução de 8 horas? Estará a empresa pronta para contratar mais pessoas para compensar o que hoje já está em falta? Será realista esta diminuição? Trará um impacto positivo e genuíno nas horas que dedica ao seu trabalho?

 Será este o equilíbrio ideal depois de já não ser novidade? Não sei se alguém terá a resposta. Acredito que em 1970, quando saiu a recomendação para passar das 48 para 40horas semanais, sem perda salarial, muitos se tenham sentido felizes e realizados. Mas de alguma forma, parece já não ser suficiente. Daí a minha pergunta. Quanto tempo durará este enamoramento? Com a velocidade a que vivemos a vida, arrisco dizer que será cada vez mais rápida a necessidade de mudar algo fora de nós para encontrarmos mais paz e equilíbrio interior.

 Não é claro para mim afirmar se defendo ou não esta mudança de redução de dias de trabalho. Mas agradeço que este tema esteja a ganhar relevância porque me permite reflectir nas profundas mudanças que a vida nos está a propor.

 Sinto que enquanto nos centrarmos no número de horas, estamos a desviar-nos do ponto essencial: ressignificarmos o conceito “trabalho”.

A palavra em si está conotada sempre com esforço: o que preciso de fazer (goste ou não) em troca de algo que preciso ou quero. Sinto ser exactamente este conceito transacional que lhe confere este tom mais negativo. Sempre que fazemos uma transação, aguardamos um resultado em que na maioria das vezes um perde para o outro ganhar. E se, em vez de trocarmos tempo por dinheiro, nos comprometêssemos com projectos, com entregas, com datas especificas, mas a jornada, o “como” para os concluir fosse flexível? A ciência já nos provou que não temos a mesma energia diariamente e que quando respeitamos os nossos ciclos tão próprios, damos o melhor de nós a cada dia. O nosso foco poderia estar no respeito por esses ciclos e não na preocupação em cumprir um horário, ou ir para o escritório, em que muitas vezes, estamos apenas de corpo presente, e a danificar de forma profunda a nossa saúde mental, o que de forma prolongada, nos leva a problemas físicos.

 

A autonomia e a flexibilidade podem ser assustadoras, mas também se treinam. E nem todos gostamos delas. Se houve algo que os confinamentos nos trouxeram, foi o de reconhecer que o conceito de “home office” não nos serviu a todos de forma idêntica. Assim, o respeito pela individualidade de cada um para exponenciar os talentos naturais parecem-me mesmo ser a viragem que a vida nos está a propor. Bem mais do que tentar obter um equilíbrio através duma “nova” normalização do horário de trabalho. Que dediquemos todos mais tempo e consciência à nossa contribuição única para um mundo melhor e que a forma seja livre para nos energizar e sustentar.

 

 

Rita Carvalho de Matos